Comentários do presidente sobre navios presos no PR indica mudança de posição histórica
O episódio da retenção de dois navios iranianos perto do porto de Paranaguá (PR) abriu uma nova crise interna no Itamaraty e já preocupa a cúpula das Forças Armadas.
Nem tanto pelo impasse em si, já que a maioria dos diplomatas e militares ouvidos concorda que a Petrobras corre risco de sofrer sanções dos EUA caso abasteça os cargueiros, mas pelo alinhamento automático à posição americana anunciado pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL).
As embarcações Bavand e Termeh estão fundeadas junto ao porto de Paranaguá (PR), já quase sem combustível.
O navio iraniano Bavand próximo ao porto de Paranaguá, no Paraná - João Andrade/Reuters
A primeira leva 50 mil toneladas de milho e a segunda espera para descarregar uma carga do insumo de fertilizantes ureia para embarcar 66 mil toneladas do grão para o Irã em troca.
Ambos os navios estão na lista de embarcações que podem gerar sanções secundárias, ou seja, para quem colaborar para sua operação.
Por isso a Petrobras, que tem ações negociadas nos EUA, está se negando a abastecê-los e a disputa com a empresa Eleva foi parar no Supremo Tribunal Federal.
No domingo (21), Bolsonaro ressaltou sua proximidade com o presidente americano Donald Trump e disse estar alinhado aos EUA no aperto econômico contra os aiatolás.
Entre diplomatas, há a certeza de que a eventual escalada da crise no Golfo Pérsico, que desemboca em conflito entre EUA e o Irã, levará a um inédito apoio explícito do Brasil a Washington.
Aqui entram generais da ativa, que temem qualquer iniciativa que possa acarretar riscos de segurança.
Dois deles, ouvidos pela Folha, afirmam que o país pode entrar na rota de grupos associados à teocracia iraniana, como o palestino Hamas ou o libanês Hizbullah.
Sempre é lembrado em conversas o fato de que a vizinha Argentina já foi alvo de um grande atentado contra instituição judaica em 1994, atribuído a terroristas islâmicos.
Envolvimento direto em uma eventual guerra é descartado pelas limitações econômicas e militares do Brasil.
Mesmo o deslocamento da fragata brasileira que lidera a força naval da ONU na costa libanesa não teria como ocorrer, pois dependeria de pedido das Nações Unidas.
O voluntarismo de Bolsonaro e seu chanceler, Ernesto Araújo, já agastou militares da ativa e integrantes do governo em outras ocasiões.
Com o agravamento da crise que quase levou a conflito com a ditadura de Nicolás Maduro na Venezuela, a cúpula colocou o Itamaraty sob sua tutela no começo do ano.
O esvaziamento do poder dos generais no governo, contudo, deu lugar ao maior protagonismo da ala dita ideológica —da qual Araújo e o filho de Bolsonaro, Eduardo, indicado para ser embaixador em Washington, são expoentes, filiados ao pensamento do escritor Olavo de Carvalho.
Um experiente embaixador, que nem é um crítico ácido de Bolsonaro como a maioria de seus pares, afirma que o Brasil está no caminho sem volta de uma inflexão desconhecida.
O governo brasileiro já adotou posições antiamericanas no Oriente Médio ao longo da história, como nas gestões do general Ernesto Geisel ou do petista Luiz Inácio Lula da Silva, mas adesão irrestrita a Washington é novidade.
Mesmo já sob Bolsonaro, em duas ocasiões o Itamaraty disse claramente que não aceitaria pressão externa contra o Irã: em encontros com enviados de Israel e da diplomacia nuclear norte-americana.
Até então, contudo, o país dos aiatolás ainda estava cumprindo sua parte no acordo nuclear com potências ocidentais, Rússia e China que os EUA abandonaram em 2018.
Em resumo, o acerto limitava as capacidades nucleares iranianas para fins pacíficos em troca do fim de sanções.
Desde o mês passado, após meses de pressão de Trump, Teerã abandonou o acerto ao recomeçar a enriquecer urânio acima dos limites estabelecidos pelo protocolo.
Assim, a AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) parou de ter acesso às instalações nucleares iranianas dentro dos termos do acordo, para garantir que o país não havia retomado seus esforços de construir a bomba atômica. Com isso, foi enfraquecido o argumento dos defensores do diálogo no Itamaraty.
Para complicar, na segunda-feira (22) morreu o diplomata japonês Yukiya Amano, que presidia a AIEA havia dez anos com moderação —ele foi instrumental para a costura do acordo com o Irã.
Um dos favoritos para a vaga é o embaixador argentino no órgão, Rafael Grossi, que terá apoio do Brasil e dos EUA.
Assim como o presidente de seu país, Mauricio Macri, ele é visto como pró-Washington e tenderia a ter uma visão mais dura da posição iraniana.
Ao mesmo tempo, surgem episódios perigosos de cunho bélico, como os em que tanto EUA como Irã dizem ter derrubado drones adversários.
A tensão se multiplica em incidentes paralelos mundo afora, como a apreensão mútua de petroleiros por parte dos iranianos e dos britânicos.
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