RIO DE JANEIRO (Reuters) – O Brasil se tornará nesta quinta-feira o segundo país do mundo a romper a barreira de 400 mil vidas perdidas para a Covid-19, após registrar mais de 100 mil óbitos pela doença em pouco mais de um mês, e especialistas alertam para o risco de ficar preso em um platô com mais de 2 mil mortes por dia durante meses, devido à ausência de medidas para conter a circulação do vírus enquanto a vacinação não acelerar.
Somente nos quatro primeiros meses de 2021 o país já soma mais óbitos pelo novo coronavírus do que ao longo de todo o ano passado, tendo registrado até o momento mais de 71 mil mortes por Covid-19 apenas em abril — o pior mês da pandemia desde que o vírus chegou ao Brasil em fevereiro de 2020.
“O Brasil está numa situação bastante preocupante, porque a gente até tem uma tendência de aumentar o volume de vacinas, mas a gente está abandonando as medidas de contenção da disseminação do vírus e a gente não tem feio testes, então a gente incorre no risco de estar em um período de vacinação e ainda assim com elevado número de óbitos e de internação”, disse o pesquisador em saúde pública Diego Xavier, um dos integrantes do Observatório da Covid-19 da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
A disseminação da variante P.1, que tem capacidade de transmissão até 2,5 vezes maior, e a falta de medidas rígidas de prevenção, em especial o isolamento social, provocaram um colapso nacional do sistema de saúde, atingindo principalmente pessoas mais jovens, tanto pelo cansaço com o confinamento como pela necessidade de voltar a trabalhar ante a crise financeira.
“É preciso eventualmente aumentar essas restrições até atingir um número considerável de pessoas vacinadas para atingir a imunidade de grupo, se não a gente, infelizmente, vai sustentar um platô de em torno de 2 mil óbitos durante alguns meses”, acrescentou.
A lenta e acidentada campanha de imunização no país, que é marcada pela falta de imunizantes devido ao atraso do governo federal para negociar com os fornecedores, ainda vai demorar a obter resultados para controlar a pandemia, uma vez que apenas 13% da população foi vacinada até o momento.
Com 398.185 mortes confirmadas pela doença até o momento, o Brasil possui o segundo maior número de vítimas fatais por Covid-19 no mundo, abaixo apenas dos Estados Unidos, que registram quase 574.000.
No entanto, o rápido avanço da vacinação nos EUA tem reduzido drasticamente os níveis da pandemia lá, enquanto o Brasil arrisca se manter em um patamar elevado de óbitos durante meses, o que pode levá-lo a se tornar o pior país do mundo em vítimas fatais da doença.
O pico de mortes por Covid-19 em um único dia no Brasil é 4.249, em 8 de abril, com média diária naquela semana superior a 3 mil mortes.
Até recentemente o país era o epicentro da pandemia no mundo, sendo responsável por uma de cada quatro mortes, mas o agravamento da situação na Índia e uma estabilização no Brasil fizeram o centro da pandemia mudar para o país asiático.
A estabilização dos índices no Brasil ocorreu depois que praticamente todos os Estados reforçaram suas quarentenas para enfrentar o colapso nos hospitais. A estabilidade, porém, se deu em níveis ainda elevados, com média diária no últimos sete dias de mais de 2.500 óbitos a cada 24 horas.
Mesmo pequena, a redução tem sido apontada por diversos governadores como suficiente para afrouxar novamente as medidas de isolamento social, o que impedirá um recuo mais firme da doença e pode manter o Brasil em um platô por diversos meses, como ocorreu no ano passado — mas agora com o dobro das mortes do platô de 2020, de acordo com especialistas.
“O Brasil agora vai repetir o mesmo erro do ano passado. Dessa vez chegamos a 4 mil mortes por dia, agora a média estabilizou com 2 mil e poucas mortes por dia, e o que o Brasil faz? Volta a flexibilizar, e flexibilizando vai estabilizar com 2 mil mortes por dia, como se fosse natural morreram 2 mil pessoas por uma única doença no mesmo dia”, afirmou o epidemiologista Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas, que coordenou um estudo nacional sobre a Covid-19 no passado.
“O que era para o Brasil fazer era restringir para colocar esses números lá para baixo, mas não vai fazer, então a situação é muito preocupante”, acrescentou, citando o exemplo de países, como o Reino Unido, que mantiveram medidas de isolamento durante meses para conter a Covid-19 enquanto avançavam com a vacinação.
“INCOMPETÊNCIA GERENCIAL”
A primeira morte por Covid-19 no Brasil foi anunciado por autoridades de saúde no dia 17 de março do ano passado. Foram praticamente três meses para chegar em 50 mil mortes, e mais 50 dias para se chegar a 100 mil, em 8 de agosto.
De 100 mil a 200 mil mortes foram mais 5 meses, mas a terceira centena de milhar de óbitos foi acumulada em 76 dias, em um marco da aceleração brutal das mortes causadas pela doença nos primeiros meses de 2021.
De 300 mil para 400 mil essa velocidade quase dobrou, sendo necessários somente 36 dias para o país registrar sua quarta centenas de vítimas fatais.
“A gente chega a esse número de 400 mil mortes principalmente pela incompetência gerencial desse governo, representada pelo presidente da República”, disse o médico infectologista Jamal Suleiman, do Instituto Emilio Ribas, criticando a falta de coordenação nacional de medidas para conter a pandemia e o fato de o presidente Jair Bolsonaro ser declaradamente contra o uso de máscaras e o distanciamento, ao mesmo tempo em que defende medicamentos não eficazes contra a doença.
“Todo esse cenário contribui para a piora, porque quando você rompe as medidas não farmacológicas o que você vai ter é uma circulação intensa de pessoas, aumentando o risco de variantes mais graves do que essas que já estão circulando, predominantemente hoje em jovens, à medida que você tem a população idosa imunizada com pelo menos uma dose. Eu prevejo um cenário bastante dramático da pandemia”, acrescentou.
As ações do governo federal no enfrentamento à pandemia, bem como a aplicação dos recursos federais repassados a Estados e municípios para combater a Covid, serão alvo de uma investigação da CPI da Covid, que foi instalada pelo Senado nesta semana.
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